quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Malandrismus

Wolfgang Fritz Haug – autor de Crítica da Estética da Mercadoria (1971, tradução publicada pela Ed. Unesp em 1997) – dirige o projeto do Dicionário Histórico-crítico do Marxismo, que vem sendo publicado (em alemão) desde 1994 e atualmente está no volume 7 (o dicionário completo terá 15 volumes). Há informações sobre o dicionário no site do Institut für kritische Theorie.
A curiosidade é que o volume 8 (que abrange verbetes de “Kritik” a “Maschinerie”, e cuja publicação está prevista para 2011) incluirá uma colaboração de Roberto Schwarz, com o verbete “Malandrismus”, obviamente um neologismo, uma “costela de prata” [1] introduzida no corpo doente da língua de Goethe para traduzir malandragem (por sinal, a tradução inglesa da “Dialética da malandragem”, feita pelo sociólogo Howard Becker, também havia optado por um neologismo: “malandroism”).
Claro, não foi o neologismo que me chamou a atenção, mas o fato de que a contribuição brasileira para um dicionário como esse seja justamente a malandragem. É verdade que Roberto não é o único brasileiro presente na obra: haverá um verbete de Isabel Loureiro sobre o MST (e haverá também colaborações do “brasileiro” Michael Löwy, sobre “kafkiano”, “sociedade sem classes” e “lukacsianismo”; mas, como é evidente, nesses temas a cargo de Löwy não há nada referente ao Brasil). A inclusão do MST é perfeitamente compreensível, dada a importância do movimento, que se tornou referência em plano mundial, mas um verbete sobre malandragem em um dicionário internacional de Marxismo não deixa de surpreender.
Como é o Roberto que vai escrever, desconfio que a sugestão do verbete tenha partido dele mesmo. Chego até a imaginar: alguém pede ao Roberto que colabore no dicionário (há verbetes como “estética”, “crítica literária”, “teoria crítica”, “indústria cultural” etc.), e ele, depois de pensar bem, propõe: malandragem. E já que estou divagando, não custa acrescentar que um verbete sobre malandragem em um dicionário de Marxismo seria, muito provavelmente, impensável há vinte anos.
Mas, olhando melhor (depois do susto), faz sentido: aquilo que, antes da queda, talvez parecesse um disparate mostra-se agora não só plausível, como também (arrisco dizer) indispensável. Estamos então testemunhando algo como a elevação da malandragem ao estatuto de conceito marxista – e por isso mesmo, aliás, o neologismo se impõe: não se trata da designação genérica um traço moral, para o qual se poderiam encontrar equivalentes em outras línguas, mas de uma elaboração conceitual, fundamentada histórica e socialmente.
Contra a ideia tradicional de uma colaboração apenas positiva da cultura brasileira no concerto das nações, que supõe uma harmonia inexistente, Roberto sempre insistiu que uma contribuição brasileira de peso seria antes o nosso museu de horrores, entendido historicamente como resultado da expansão moderna do capitalismo mundial.
A malandragem não é apenas uma representação ideológica de traços culturais do povo brasileiro. É uma manifestação da nossa informalidade no trato com a norma da civilização ocidental moderna. Seu fundamento último está na particularidade da formação historicossocial. Se a malandragem persiste como um comportamento dominante, a ponto de parecer uma constante cultural do caráter brasileiro ou coisa que o valha, é porque a fratura social persiste – perpetua-se a falta de integração dos pobres, agora agravada pela derrocada do mundo do trabalho. A informalidade ligada ao substrato pré-burguês, no seu contraste mesmo com a norma, esteve na base dos momentos fortes da cultura brasileira, momentos nos quais se cristalizava a simbiose de crítica e regressão. É isto, aliás, e não a analogia da representação do caráter ou da falta de caráter do brasileiro, que liga o Sargento de Milícias a Macunaíma.
Não é difícil identificar alguns referenciais históricos para situar o interesse internacional pelo tema da malandragem. Paulo Arantes já deu notícia da tese da brasilianização do mundo, tanto na versão apologética quanto na versão crítica, e sem dúvida é a esse fenômeno que se associa o interesse que a malandragem pode ter na atualidade. Sem entrar no detalhe da questão – trocada em miúdos no ensaio “A fratura brasileira do mundo”, de Arantes, e complementada por “O ornitorrinco” de Francisco de Oliveira –, o que está em causa (entre outras coisas) é a desregulação em todos os níveis, ligada à derrocada do mundo do trabalho no novo estágio do capitalismo, dito flexível.
Nas palavras de Arantes: “A alegada contaminação legitimadora da acumulação flexível pela fluidez da boa alternância brasileira de ordem e desordem, vanguarda produtiva e retaguarda social, veio de fato estilizar a convergência entre duas modernizações abortadas, ou consumadas, tanto faz, confluência entre o desaburguesamento das elites globais e o ‘mundo sem culpa’ plasmado na outrora promissora quase-anomia periférica.” // “A consumada modernidade flexível, então, é isso que se está vendo no velho laboratório brasileiro da mundialização: esse entra e sai na esfera peculiar dos mais diversos ilegalismos, tanto no plano da mera viração dos despossuídos, quanto no âmbito da alta transgressão que distingue os pilares da sociedade nacional.” (Zero à Esquerda)

P.S. Em vez de transcrever os trechos de Arantes, eu pretendia dizer algo a partir do Wallerstein, sobre o fim do Liberalismo ligado ao colapso do bloco "socialista", com o intuito de indicar nossa entrada no atual estado de emergência, mas fiquei com preguiça. Quem quiser que leia Após o Liberalismo (Ed. Vozes) e o ensaio "The agonies of Liberalism" (New Left Review, 204, 1994).
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[1] Só para constar: a expressão "costela de prata" é de W. Benjamin, usada a propósito do estrangeirismo; foi retomada por Adorno e, mais tarde, por A. Rosenfeld, no ensaio sobre Augusto dos Anjos, para referir-se ao uso de termos científicos.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Arnold Schönberg - Noite Transfigurada

Extraído do blog criticadialetica.blogspot.com

O poema sinfônico Verklärte Nacht (Noite Transfigurada), concluído em 1899, foi a primeira obra composta por Schönberg que ganhou algum reconhecimento de público e crítica. Baseado no poema homônimo de Richard Dehmel e escrito inicialmente para sexteto de cordas (dois violinos, duas violas e dois violoncellos), sofreu em 1917 readaptação para o formato da orquestra de cordas, sendo revisado pela última vez em 1943.

Apesar de, não sem estranhamento, ter agradado à crítica e constar até hoje como uma de suas obras mais "palatáveis", nele já se percebe o rigor estrutural e a expressividade tensa que será o traço distintivo do compositor de peças como Erwartung e Pierrot Lunaire.

Muito de tal impressão se deve ao fato que, embora não seja atonal, a peça trabalha também com ambiguidades harmônicas (ou seja, o mesmo evento musical pode ser interpretado pelo ouvido segundo funções harmônicas diferentes, dependendo do centro tonal a que é referido). Fator de composição este que, e levado às últimas consequências, fará com que Schönberg repense todo o sistema tonal nas décadas seguintes.

Além disso as melodias se constituem pro cromatismos (desenvolvimento harmonico-melódico por semi-tons), a tessitura contrapontística é densa, explorando cânones e inversões, e há amplo uso da polimetria (concepção de frases baseadas em figuras rítmicas heterogêneas em relação à estrutura regular dos compassos).

Com isso, apesar de ser praticamente uma peça de estreia (op.4), ela já reelabora de maneira muito própria conquistas formais do romantismo tardio (quanto ao primeiro aspecto, Wagner, quanto aos outros dois, Brahms), trabalhando elementos da música ocidental que aguardavam desenvolvimento (coisa que se costuma atribuir apenas a sua música pós-tonal).

Abaixo, tradução do "poema" de Dehmel para o Inglês, acompanhada de links para a execução da obra pela Orquestra de Câmara Nacional da Moldávia, com regência de Cristian Florea.

Transfigured Night

Two people are walking through a bare, cold wood;
the moon keeps pace with them and draws their gaze.
The moon moves along above tall oak trees,
there is no wisp of cloud to obscure the radiance
to which the black, jagged tips reach up.

A woman's voice speaks:

"I am carrying a child, and not by you.
I am walking here with you in a state of sin.
I have offended grievously against myself.
I despaired of happiness,
and yet I still felt a grievous longing
for life's fullness, for a mother's joys
and duties; and so I sinned,
and so I yielded, shuddering, my sex
to the embrace of a stranger,
and even thought myself blessed.
Now life has taken its revenge,
and I have met you, met you."

She walks on, stumbling.
She looks up; the moon keeps pace.
Her dark gaze drowns in light.

A man's voice speaks:

"Do not let the child you have conceived
be a burden on your soul.
Look, how brightly the universe shines!
Splendour falls on everything around,
you are voyaging with me on a cold sea,
but there is the glow of an inner warmth
from you in me, from me in you.
That warmth will transfigure the stranger's child,
and you bear it me, begot by me.
You have transfused me with splendour,
you have made a child of me."

He puts an arm about her strong hips.
Their breath embraces in the air.
Two people walk on through the high, bright night.

(Tradução: Mary Whittall)

http://www.youtube.com/watch?v=D84sLB8tUMo

http://www.youtube.com/watch?v=SiFiKLdq1gI&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=DdIN703W5pY&feature=related

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Fabricando canção

texto publicado originalmente no blog mesmopoemas.blogspot.com


Tom Zé não é, stricto sensu, um tropicalista. Figura conhecida do cenário cultural soteropolitano da década de 60 por sua capacidade de transformar a canção em uma espécie de "crônica" — nunca memorialista nem romântica, mas zombeteira —, sua presença no movimento tropicalista deu-se pelas mãos de Caetano Veloso, procurando aquela justaposição do arcaico/moderno tão comentada por diversos críticos. O relato divertidíssimo que Caetano apresenta em Verdade tropical (1997) sobre a viagem de Tom Zé a São Paulo pretende exemplificar o que o escritor admirava no franzino sertanejo conhecedor de música erudita. Estavam ambos, Tom e Caetano, voando em uma aeronava da Caravelle — avião francês da época — quando a comissária perguntou-lhes o que desejavam beber. "Cachaça", disse Tom Zé sem menores volteios. A comissária embaraçada teve que explicar que cachaça não constava nas opções de bordo. "Como não tem cachaça? Mande parar esta caravela agora que eu vou descer!".

Tom Zé não deixou o caso ganhar proporções gigantescas e o vôo continuou sem mais incidentes. Este episódio, no entanto, com toda sua encenação mostra o que é Tom Zé. Uma aeronave voar em território brasileiro e não ter cachaça — hoje, com o glamour internacional a branquinha está em todos os lugares —, o absurdo de pedir para descer em pleno céu, o aportuguesamento do nome francês e o quanto este, "caravela", remete à história do Brasil, tudo participa das questões que Tom Zé encarna, e isto me interessa, também na sua criação musical.

A manutenção de traços característicos do interior baiano — não são poucas as entrevistas em que Tom Zé valoriza estes traços por ecoarem a cultura morisca, algumas complexidades da cosmogonia medieval, etc — não folclorizam sua obra. Servem-lhe apenas de contrapeso: conhecedor de filosofia, sociologia, crítica de artes, as próprias artes eruditas e a cultura pop do centro erradiador — leia-se Europa e EUA —, Tom Zé constrói desde sua estréia em 1968 o contrafluxo desta erradiação que, de repente, surpreende-se com a qualidade muitas vezes superior daquilo que subjugam. Por isso a valorização da Bossa Nova — "que o povinho audacioso, que povo civilizado!" —, do baião — "seu nom era Embolá/ no falar da gen"— e do funk carioca — "Tô ficando atoladinha" como um meta-refrão microtonal pluri-semiótico — e os maus olhos contra o "rock traduzido" de algumas bandas — "desentoxique-se deste apocalipse".

Sua discussão com o técnico de som suíço no festival de Montreuax presente no documentário Fabricando Tom Zé (2007) serve de encenação deste contrafluxo para fora dos limites da canção:



*

O mais arcaico dos artistas integrantes da Tropicália e também o mais moderno: a transformação que Tom Zé operava na canção, desde meados dos anos de 1960, não era apenas temática ou mesmo estilística. Seguindo as lições enxutas da Bossa Nova, a pesquisa de Tom Zé quer a canção em seu cerne procurando recriá-la sem, contudo, descaracterizá-la como canção. Processos de colagem, paródia, reutilização de frases — melódicas e das próprias letras —, orquestração erudita, instrumentos não-convencionais: o tino genial que Tom Zé possui para a composição permitiu uma obra em constante aperfoiçoamento teórico e técnico que, por motivos diversos, soou bastante estranha mesmo para ouvidos já acostumados com os avanços e abusos que a Tropicália conquistara.

Depois de seu enorme sucesso com "São São Paulo" no Festival Internacional da Canção de 1968 e da gravação decorrente deste sucesso, Tom Zé continuou sua fina pesquisa nos âmbitos da composição e do arranjo com parceiros muitas vezes desconhecidos. O segundo disco, de 1970 — um dos meus favoritos —, teve suas melhores idéias dividas com "os alunos de composição da SOFISTI-BALACOBACO (muito som e pouco papo) e com Augusto de Campos", segundo a contra-capa do vinil. Canções como "Jeitinho dela" e "Distância" remetem a composições comuns na época, seja pelos temas das letras, seja pelos vocais em coro e os metais grandiosos — todos, obviamente, aqui reconfigurados. A primeira gravação de "Senhor cidadão" deu-se pouco tempo depois, em 1971, provavelmente ainda sob o clima de criação coletiva.



Senhor cidadão - Tom Zé
compacto simples (1971)


A percussão marca um ritmo bastante regular e pontua o canto quase falado de Tom. As cordas, mais variáveis, comentam o que é cantado: são elas que dão ênfase em certos pontos da letra e organizam a chegada no refrão quando o tom sobe, aumentando a dramaticidade — ressaltada ainda pelo acompanhamento do coro de "uivos". Uma ótima versão perdida em um compacto simples nunca relançado.

A gravação em disco, aquela mais conhecida, apareceria no ano seguinte em Se o caso é chorar. O processo pelo qual o arranjo passou caracteriza o trabalho de Tom Zé: uma ótima canção, redonda e facilmente reconhecível, reconfigurada em seus pormenores o que obriga uma postura menos passiva do ouvinte.




Senhor cidadão - Tom Zé
em Se o caso é chorar (1972)

A faixa abre com a leitura de Augusto de Campos de seu famoso poema "cidadecitycité" (1963) seguida de gemidos pontuados por sintetizadores — que parecem esboçar "noite feliz" — e sinos. O canto de Tom Zé torna-se ainda mais falado e é repetido por um coro de vozes masculinas e femininas deliberadamente desencontradas. A dramaticidade, deste modo, torna-se mais contudente, o que é ressaltado pelo tom ainda mais alto que a voz feminina consegue no refrão. No fim, os instrumentos somem, as vozes também diminuem o volume — embora mantenham-se desencontradas — e o gemido inicialmente apenas esboçado surge como o único ruído.

Ainda uma canção mas mais: uma canção de Tom Zé.

Discografia
Tom Zé (1970)
Se o caso é chorar (1972)

* Este post foi sugerido por Fernanda quando, ouvindo o disco de 1970, comentou que Tom Zé era um grande cancionista — no que concordo completamente.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Sobre "Berlin Alexanderplatz" de Alfred Döblin

ESTADÃO DE HOJE/CADERNO 2
Domingo, 14 de Junho de 2009

Berlin Alexanderplatz volta renovado

O mais incômodo épico da literatura alemã do século 20, Berlin Alexanderplatz, obra-prima do médico e escritor Alfred Döblin (1878-1957), ganha, aos 80 anos, uma nova tradução, a cargo da professora de Literatura Irene Aron, que a Editora Martins/Martins Fontes coloca nas livrarias no começo de julho. O livro, já traduzido anteriormente por Lya Luft, volta às livrarias num momento de crise, o de uma recessão cada vez mais desestabilizadora, que ameaça empurrar para o precipício países fragilizados, exatamente como aconteceu no passado com a Alemanha, tomada de assalto pelos nazistas. Em mais de uma ocasião - e com justa razão -, a atual crise financeira do mundo foi comparada ao inferno de Wall Street em 1929, ano do grande crash da Bolsa - e também da chegada de Berlin Alexanderplatz ao mercado, após sua publicação em folhetim ter sido recusada por dois dos principais jornais liberais de Berlim.

Leia trecho do livro

Se a crise atual ainda não atingiu as proporções gulliverianas da República de Weimar, onde a inflação corroeu salários e também a alma dos alemães, é certo que ela já oprime milhares de desempregados, que experimentam hoje o que sentiu no passado o operário e carregador de mobílias Franz Biberkopf, protagonista de Berlin Alexanderplatz. Biberkopf, ao sair da prisão de Tegel, após cumprir pena de quatro anos por matar a companheira num acesso de raiva, tem como primeiro impulso voltar para sua cela, ao se defrontar logo na saída com uma Berlim irreconhecível, afundada na corrupção, no fanatismo político e na recessão. Nessa Babilônia moderna, qualquer ser resgatado pelo colete salva-vidas de ideologias totalitárias teria o rosto de um Franz Biberkopf, parece martelar na consciência o épico de Döblin, escrito quando Hitler já mostrava suas garras.

Döblin, claro, não teria feito Biberkopf passar pela provação de vender nas ruas o principal órgão de propaganda nazista (o jornal Völkischer Beobacher) se não quisesse discutir a diabólica sedução do totalitarismo quando se está só e desamparado. Entre os inúmeros bicos que o protagonista arranja para viver uma vida decente - de camelô a vendedor ambulante de cadarços -, nenhum lhe oferece sequer a chance de sobrevivência. Com o bolso arruinado, ele se entrega à bebida, retoma contato com amigos marginais, perde um braço durante um roubo e vira gigolô. O resto da história é uma descida aos infernos que só poderia mesmo ter sido transposta para o cinema pelo cineasta Rainer Werner Fassbinder em sua memorável série de 15 horas. Feita em 1980 para a televisão alemã, ela está disponível numa caixa com 6 DVDs, lançada recentemente pela Versátil (veja texto nesta página).

O filme, que tem o mesmo título do livro, é uma adaptação fiel do romance, mesmo em seus momentos mais alucinados, entre eles o surrealista epílogo em que Biberkopf, morto e guiado por dois anjos, reencontra no (sub)mundo dos espíritos os infelizes com quem topou em vida. No livro, esse delírio começa no momento em que Biberkopf entra na segunda instituição a mantê-lo preso, o manicômio de Buch - no qual morre e depois é "ressuscitado" por Döblin, que, na vida real, passou por lá como médico. No capítulo final, o autor dá uma segunda chance a seu protagonista, rebatizando-o de Franz Karl Biberkopf para distingui-lo do primeiro Biberkopf, oferecendo a ele um emprego de auxiliar de porteiro numa fábrica de porte médio, após sua saída do hospício. Para lá o catatônico Biberkopf é encaminhado depois que sua companheira Mieze é assassinada pelo perverso amigo Reinhold, outro parceiro amoroso do protagonista, responsável pelo acidente que o tornou maneta.

Dito assim, corre-se o risco de confundir Berlin Alexanderplatz com um romance que cruza o realismo de Balzac com a crônica mundana. De fato, a origem desse épico pode ter sido uma simples notícia policial perdida nos jornais populares citados no livro, ao lado de textos publicitários, canções e versos bíblicos, fielmente transcritos nessa "montagem" - como Walter Benjamin definiu o livro. Nela, o personagem principal não é Franz Biberkopf, mas a cidade que o destrói - e, mais exatamente, Alexanderplatz, praça central e local de confluência de todos os deserdados alemães na época do advento do nazismo. Döblin, assim, opta por dar voz a seus personagens, abdicando do papel de narrador. Trata-se de um exercício polifônico que não dispensa o recurso joyciano do monólogo interior - embora Döblin sempre tenha afirmado que conhecia mal a literatura de James Joyce quando começou a escrever Berlin Alexanderplatz. Pode ser. O fato é que seu livro, escrito no auge do expressionismo alemão, cruza referências eruditas e linguagem coloquial para narrar a história de um homem em busca da sobrevivência, amalgamando sua tragédia com a de um país que perde o pudor para pagar suas dívidas de guerra, resgatar a autoconfiança e fugir do colapso econômico.

A tradutora Irene Aron, nascida de pais alemães emigrados durante a 2ª Guerra, lembra de algumas expressões populares presentes no livro, ainda usadas em família durante sua infância. Isso facilitou o complexo trabalho de tradução, que obriga os profissionais a uma pesquisa exaustiva sobre a cultura de Weimar. O mais difícil, porém, foi encarar a natureza polifônica de Berlin Alexanderplatz. "Por vezes fica-se sem saber se é o narrador ou o próprio autor que está falando", diz a professora, que enfrentou anteriormente o desafio de traduzir Passagens, a obra-prima póstuma de Walter Benjamin.

Benjamin, aliás, escreveu sobre a retomada do relato épico em Berlin Alexanderplatz (em A Crise do Romance, de 1930), afirmando que o princípio estilístico do livro é a montagem, que, longe de ser arbitrária, baseia-se no documento - daí a exata reprodução das letras das canções populares da época, as estatísticas e os versículos bíblicos que conferem autenticidade à ação épica da narrativa de Döblin, segundo o estudioso. E não só autenticidade. Por respeito à tradição épica, o confronto de Franz Biberkopf é com a polis e a morte. Primeiro, ele enfrenta as barreiras da metrópole para depois chegar à fronteira da vida, submetido aos fragmentos do Livro de Eclesiastes usados por Döblin em sua obra. Biberkopf, paradoxalmente, é salvo pela morte ao aceitar, no fim de sua trajetória, que ele, somente ele, é o culpado por todos os males que o atingiram. O homem comum de Döblin desejou ser maior que o destino e foi punido por isso. Se acontece nas melhores tragédias gregas, por que não em épicos modernos?

O filme

A superposição da vida de Franz Biberkopf com a da metrópole que se transforma à custa de miseráveis é o aspecto mais visível da versão para o cinema da narrativa de Döblin. A todo momento Fassbinder usa o cenário não como recurso puramente formal, mas para enfatizar os mecanismos de poder nessa metrópole disputada como centro político de um país à deriva. Assim, às mansões luxuosas, decoradas com móveis bauhausianos, contrapõe-se a miséria das espeluncas habitadas por Biberkopf e os oprimidos da nova (des)ordem moral da República de Weimar, onde almas podem ser compradas a preços irrisórios. Fassbinder percebeu o que talvez nem Döblin tenha notado - e que Benjamin percebeu antes de todos: o destino de Biberkopf é a educação sentimental dos marginais, o que dá à narrativa cinematográfica um aspecto do velho romance de formação burguês. Fassbinder carrega nas tintas do Bildungsroman sem trair a modernidade de Döblin, fazendo com que sua figura se confunda com a da metrópole desde a cena em que o condenado sai da prisão. É essa sequência labiríntica que sintetiza o épico alemão.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A polêmica Chico x Caetano: malandragem sem morro e a vanguarda do brega (I)

Texto publicado originalmente em www.escaparfedendo.blogspot.com

Nunca escondi de ninguém que sou um caetanete. E como bom tiete de Caetano, adoro tomar seu partido em suas polêmicas, encontrar alguma razão mais profunda, mesmo que absurda, para seus gestos. E não é muito difícil, porque o cara é o maior intelectual vivo do país, e mesmo que você não concorde com aquilo que ele diz, quase sempre há uma razão mais profunda pra ele ter dito isso ou aquilo. O que se nem sempre torna as coisas melhores, ao menos revelam alguma coerência.

O babado mais quente no quesito Caetano é sem dúvida a eterna polêmica com Chico. Na verdade, não entre os dois, que estão cagando pra essas brigas, mas entre os adoradores de um e de outro. Mas mesmo os chicólatras tem de admitir que é muito mais complexo você ser um caetanete, seja por ser ele muito menos unânime, mais arrogante, ou mais polêmico. Posso dizer inclusive que começa daí minha admiração: o esforço mental exigido para se posicionar pró Caetano é, pela própria natureza do objeto, muito maior. Enquanto o Chico veio pra estabelecer, pra ser a própria definição do que é bom, Caetano veio pra incomodar, pra questionar o que é belo. Na verdade, a razão mais profunda para esse debate ser tão animado é que no fundo ele é bem menos radical do que parece a princípio. De fato, a questão realmente radical nem se coloca (a não ser por loucos meio idiotas ou excêntricos, como Caetano), pois o conflito verdadeiro está na oposição Chico Buarque x Roberto Carlos, ambos compositores de primeira linha, mas aquele que chega a sugerir uma aproximação do gênero é imediatamente desqualificado como mentalmente desequilibrado. O que não quer dizer que Chico x Caetano não seja uma polêmica reveladora, pelo contrário. Apenas oculta uma questão muito mais complexa e perigosa, que implica em colocar Robertão e Chico num mesmo patamar.

Primeiro algumas questões de ordem mais formal, que são as que contam de fato no momento da audição. Comecemos com aquele que é tido como o ponto mais forte do carioca, suas letras. Nesse quesito o cara de fato é bom, mas temos de lembrar que quem realmente inovou foi Cae, ao ser o primeiro cara a abolir das letras seu cunho narrativo. Ele elimina das letras o tom narrativo que sempre caracterizou a canção nacional, primeiro com a concepção tropicalista de construção via fragmento, e depois ao construir letras que são explanações teóricas, muito mais do que as desventuras de um sujeito lírico ou a exposição de dada situação. A voz narrativa da canção se moderniza com Caetano, apesar de que Chico sem duvida a eleva a um patamar de excelência grandioso.

Quanto a forma propriamente dita, uma anedota de Tom Zé é reveladora. Quando perguntado sobre o que pensava de Chico Buarque, lá pelos anos 70, o baiano de Irará respondeu: “a gente tem que respeitar muito o Chico Buarque, afinal, ele é o nosso avô”. Para além do chiste e da ironia, a afirmação carrega também um caráter de revelação. Desde o início o projeto de Chico se apoiava, ainda que o transformando, no projeto estético da Bossa Nova, de re-apropriação do passado. Com a diferença de que a Bossa se propunha a reler sobre nova chave os autores que ela própria elegia como os representantes da genuína música nacional, enquanto que Chico – na onda da música de protesto – procurava resgatar as formas antigas, só que lidas agora na chave do bom gosto – seja em termos das letras, do estilo de interpretação e dos arranjos. No início, alguns tipos de samba (canção, exaltação, chorinho, gafieira) e depois ampliando o escopo – modinha, frevo, valsa, fado. É certo que por influência da Tropicália Chico passou também a enveredar por outros gêneros e estilos – principalmente após seu 5° disco, Construção - mas até os dias atuais cria canções basicamente em formas pré Bossa Nova. O próprio compositor admitiu em uma de suas raras entrevistas que é um compositor à moda antiga, que se dedica a um tipo de canção em vias de desaparecimento. Na verdade, é todo um modo de compor – do qual Chico é o maior representante – que se acostumou a identificar com a MPB, que está em vias de desaparecimento.

Já o projeto de Caetano sempre foi o de fazer música de hoje. Em comum entre ambos a busca por se criar música de qualidade – critério que é preciso definir, pois se trata menos de juízo de valor estético do que certo procedimento formal. Porém o lugar onde os dois procuram estabelecer esse critério de gosto marca uma ruptura radical de postura. Cae já compôs metal, musica indie, blues, reggae, axé (dizem as más línguas inclusive que foi ele quem o inventou), música concreta, samba de roda, hip hop, música brega, e já se apropriou de outros tantos gêneros, como o funk carioca. Isso sem falar de sua especialidade, que é o de misturar os registros. Sua postura estética é muito mais ousada, o que o torna a meu ver um compositor bem mais interessante, mesmo quando Chico – cultor do belo - consegue criar canções de acabamento formal perfeito. Do ruído também se faz arte.

A polêmica Chico x Caetano: malandragem sem morro e a vanguarda do brega (II)

Texto publicado originalmente em www.escaparfedendo.blogspot.com


Mas a consideração da forma conduz imediatamente à outra, essa sim o verdadeiro pano de fundo sobre o qual se desenrola a polêmica, ou seja, a posição ideológica que ocupam os dois artistas. Em certo sentido, a diferença de postura de Chico e Caetano marca duas opções distintas da elite popular universitária, que na época da Bossa Nova deixa de considerar a arte popular como um tipo inferior de manifestação cultural, e passa ela mesma a eleger seus representantes mais legítimos.

A Bossa, com sua mistura original de samba e jazz, promoveu a higienização necessária que tornou possível transformar o samba em produto de exportação e, como tal, digno de ser apreciado por um público mais “refinado” (definição de classe, mas que de gosto). Entretanto, a Bossa apresenta o mesmo problema que o jazz a partir do bep-bop, que seja: é de muito bom gosto afirmar que acha excelente, mas daí a entender de fato é outra história. É tão complexo compreender a dimensão da transformação que a batida de violão de João Gilberto representou para a música nacional quanto entender de fato o que Charlie Parker fez pelo jazz. Sabe-se que tudo mudou, mas daí a entender e explicar é outra história, sendo necessário não apenas um conhecimento musical mais aprofundado, mas também de cultura e do processo histórico-social. Isso sem falar que a Bossa é radicalmente avessa a entrar em debates políticos e ideológicos e, portanto, a adesão a ela é dada forçosamente em termos musicais, a menos que se opte por uma opção declaradamente “alienada”, o que para essa parte da elite universitária é pecado grave, especialmente na época de acirramento do debate político no período da ditadura, que exigia um tipo de arte mais engajada, ou explicitamente ancorado no social. Para suprir essa necessidade, surge a música de protesto. É certo que Chico Buarque não surgiu já fazendo letras engajadas e atacando o regime político, mas um dos debates da época era entre o que seria o genuinamente nacional e o que era estrangeiro e alienante, a que a música de protesto veio responder procurando fazer uma música de temática mais regional ou mais voltada para o samba (o show opinião é emblemático nesse sentido por trazer representante das três vertentes, o regionalismo de João do Vale, o sambão do morro de Zé Keti e a nova musica universitária, via Nara Leão). Nesse contexto, Chico optou por um retorno ao que seria o autêntico samba, aos moldes de Noel Rosa. Logo se tornou o símbolo maior do que era a MPB no início, que seja, música nacional genuína de qualidade, sendo que o adjetivo final indica a separação dessa música com a que de fato se fazia no morro.

Já no período mais duro da ditadura, Chico fez sua opção, via esquerda, se tornando o exemplo acabado de compositor combativo e ao mesmo tempo refinado (o que é muito importante por marcar a diferença entre ele e outros, como Vandré). Alias, o mais belo exemplo que se poderia imaginar, sendo rico, bonito pra porra, de família influente, que em certo sentido “renega” os benefícios de sua posição para lutar em pró de um bem comum (quase um Che Guevara de Walter Salles), não só de sua classe, mas também dos pobres – a ilusão de um possível conciliação entre as classes foi comum a toda esquerda nesse período, até o AI5 abortar de vez o projeto. O próprio movimento de apropriação das elites da cultura popular já inevitavelmente manifesta esse caráter de aproximação de classe. O projeto da MPB que o Chico representa é em certo nível o de criar uma forma popular de composição, mas que escape ao mau gosto e a reificação da cultura de massas. Uma música popular esclarecida, por assim dizer, que no limite conduz a um afastamento dos pobres da forma por eles mesmos criados, como no samba enredo “vai passar” que é muito bom, mas que ao mesmo tempo é o que de mais distante poderia haver de um samba enredo. O que seria uma aproximação de classes – os membros da elite que passam a se identificar com as classes populares – se torna uma nova forma de imposição, pois são esses que acabam definindo a partir de fora o que é ou não mais genuíno e autêntico. A figura do malandro exaltada por Chico em suas letras, já era bem raro mesmo nos morros cariocas, assim como os pobres de fato estavam em grande parte mais interessados na novidade representada por Roberto Carlos, em boleros e em musica brega, (Maysa, Agnaldo Timóteo e Rayol, Odair José, esses sim os grandes vendedores de disco da época) do que em samba canção aos moldes de Noel. O popular evocado por Chico e, principalmente, por seus seguidores, é já uma concepção higienizada que afasta o mau cheiro que inevitavelmente exala a pobreza. O que não diz nada sobre a qualidade dessa obra, excelente, mas revela muito sobre seu radicalismo e posição histórica, revelando muito mais que sua qualidade estética (existem dezenas de outros autores tão ou mais geniais) as razões de sua unanimidade. O que comprova que nem sempre a opção mais à esquerda é de fato a mais contestadora.

Por sua vez a obra de Caetano realiza o movimento quase oposto, e ao invés de definir o que seria uma música popular de qualidade, procura no interior da cultura de massa os exemplos já existentes de musica de qualidade. Ao invés de procurar inserir certo padrão importado de outras formas de arte, como o conceito de obra de arte orgânica, que recupera a noção de autor, adota o pressuposto concretista (que faz mais sentido para musica popular que para a poesia, a propósito) de que a arte é já mercadoria, e que este dado a priori interfere na constituição, mas não necessariamente na qualidade das obras como quer certa crítica mais radical da industria cultural. A canção popular, assim como o cinema, toma forma com o desenvolvimento da industria fonográfica, e isso naturalmente não é um atestado da falência de sua capacidade crítica ou estética, como não poderiam compreender aqueles que nasceram em países em que a arte pós industrial representou o desaparecimento de um determinado tipo de sujeito criador. Caetano procura qualidade artística naquilo que efetivamente a cultura popular está produzindo, seja Roberto Carlos, Vicente Celestino, Odair José, Beatles, Michael Jackson, Peninha ou Fernando Mendes, porque para Caetano também não existe essa distinção entre nacional genuíno e estrangeiro. A arte popular é industrial, e como tal, rompe as fronteiras territoriais, e a MPB deve sua existência tanto à João Gilberto quanto aos Beatles, na mesma proporção. Ao realizar esse movimento, ele procura romper com o preconceito que direciona a audição da classe média, e que fica explicito quando essa classe taxa uma música de Peninha como brega e a rejeita, só para aplaudir a mesma música quando gravada por Caetano. Por estar menos a esquerda que Chico, seu procedimento estético é mais radical. É anárquico. Seu real interesse é o mundo agora, e não uma utopia sustentada por um mito, mito que a própria postura pessoal de Chico ajuda a sustentar, ao escolher se esconder da opinião pública. Caetano não existe fora do espaço de debate e polêmica. Fora do mundo de agora, ele perde o sentido, pois sua função é desestabilizar o coerente.

Alias a MPB deve sua existência basicamente a dois movimentos: a depuração da Bossa Nova e a abertura da Tropicália, cujo mentor intelectual é Caetano – por mais que não tenha sido de fato ele que tenha organizado o movimento, foi sem duvida o que levou o conceito mais longe, e o sistematizou. Pois até a Tropicália, contando inclusive com a canção de protesto e Chico, o que nós temos é uma variação do projeto da Bossa Nova de depuração da canção nacional, um projeto definidor por excelência. Com Cae e Cia é que MPB ganha esse caráter de forma inorgânica, definida mais como um jeito de se fazer a coisa do que a coisa propriamente dita. Por isso eu também acredito que Caetano Veloso é a figura mais importante (inclusive em termos simbólicos) da MPB, e um dos principais nomes da canção brasileira moderna em geral (juntamente com Gilberto Gil e Jorge Ben). Do mesmo modo que Chico Buarque é seu maior símbolo, o que ajuda a entender o porque da MPB vir gradativamente deixando de existir enquanto gênero.


Chico é o exemplo mais bem acabado da família dos compositores artesãos. É o mais completo, embora não seja tão importante quanto João Gilberto ou Tom Jobim. Em todo caso, é inegável que Chico Buarque é muito bom. Entretanto, Caetano Veloso é brilhante e acima deles, talvez, somente os gênios como Gilberto Gil. Mas aí já é outra história.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

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terça-feira, 19 de maio de 2009

Sobre "Equívocos Colecionados"

Sobre "Equívocos Colecionados" - experimento cênico inspirado em entrevistas e textos teóricos de Heiner Müller. Companhia do Latão.

Personagens e espaço

O primeiro ato da peça se chama "Necrofilia é amor ao futuro". Num procedimento típico do teatro épico do Brecht, é a mulher do burguês quem o anuncia, à maneira de uma claquete, saindo da personagem, quase como um narrador, mas como coisa mesmo, não pessoa.

As personagens não têm nomes, não chamam umas às outras, nem se designam por qualquer referência inequívoca. Elas não dialogam. Elas monologam, expõem-se para um "terceiro ausente" e é da trama entre suas falas que a peça vai se desenvolvendo.

O lugar da plateia permanece, durante toda a encenação, ocupado pelos atores, mesmo quando eles não o ocupam. É espaço cênico. Os espectadores também são deslocados de seu lugar usual para dentro do "palco", de maneira que a visão que alguém pode ter da ação permance, sempre, necessariamente parcial (o espectador não pode se mover livremente e o espaço é pensado para que certas ações ocorram para além do seu campo de visão)

Os pescoços se esticando e o cara reclamando porque não consegue ver direito são gestos de espectação criados por esse espaço. Não são gratuitos. Ninguém sai com torcicolo de uma encenação naturalista em palco italiano. Nem reclama da injusta troca de ingresso pago por perda de visão do detalhe tal em tal momento. Desse ponto de vista, o descompasso entre o que se espera ver e o que se vê de fato lembra o crivo entre a totalidade social e a perspectiva individual. A integração do espaço social pela lógica da mercadoria tem como efeito dar ao sujeito a ilusão de que ele enxerga a totalidade do processo, porque tem acesso financeiro, reconhecimento social ou visibilidade midiatica em relação a ele (ou porque deveria ter). É justamente essa ilusão que esse espaço nega.


A peça nega também a possibilidade de que nos identifiquemos com as personagens. Elas são tipos. Elas espõem, no breve intervalo de tempo que lhes é permitido falar, trajetos estereotipados de vida que são, por sua vez, material a ser julgado. Não se julga as pessoas e sim os "gestos sociais"("Organon") que compõem suas trajetórias. Ou, sim, se julga as pessoas e se perde o panorama histórico que se quer criar.

Essa configuração do espaço, essa despersonalização das pessoas em trajetos parodicamente abreviados de vida (ops), mais a situação específica do julgamento presidido por um burguês desinteressado e uma defensora pública protocolar, distante, propiciam ao espectador a sensação estranha de um estado de prontidão irrequieta. Estado que se sustenta justamente pela necessidade de se julgar e não se poder fazê-lo.

Observação sobre os músicos e a música.

Os músicos têm nomes celebres e literários, Fausto e Hamlet. Representam a alta cultura letrada. É como se a cultura fosse chamada a fazer parte do espetáculo e tornar perceptível essa participação, ao mesmo tempo. Fausto e Hamlet são o sumo do teatro. Mas ali, não; estão deslocados, em meio a "intelectual", "estudante" etc. São funcionários do burguês, músicos que sonorizam filme mudo, de um lado; elemento cênico, neutro, integrado ao cenário, de outro e , finalmente, corpo estranho no palco, o vulto de seus nomes em contradição com a posição indigna, de empregado.

A música, complementarmente, se integra à ação e perturba-a ao mesmo tempo. Isso contraria um pouco as espectativas de quem vai munido de teoria assistir à peça e espera apenas confiltos do auditivo com o visual.

Aqui, cabe uma reflexão.

De onde pode provir a perturbação auditiva esperada quando se vai assistir a uma encenação de Brecht? Do conflito entre a encenação a música? Certo e errado.

Certo, porque a encenação faz escolhas e põe em destaque uma dominante afetiva latente no próprio material que elabora. Errado, porque a perturbação pode não advir só do choque entre a dominante afetiva e a música encolhidas, mas também de aspectos do material que estão em segundo plano.

Não consigo me lembrar de exemplos específicos. Só me lembro de ter procurado na música da peça os tais procedimentos de desautomatzação e nem sempre os ter encontrado.

Aí podem contar meus ouvidos um pouco desenformados; a intenção dos músicos de nem sempre negar o afeto da cena, para não desgastar o meio expressivo; ou então a prórpia expectativa do "espectador de brecht" de "ouvir conflitos", que é argutamente negada pelo Latão.

Essa mesma quebra de espectativa ensina algo sobre como a música pode funcionar como meio de desautomatização numa apropriação brasileira de Brecht.

Ela não buscava a paródia, o engraçado; nem o estranho, o grotesco. Tampouco volatilizava as cenas, sublimando o sentimento, empurrando para o lírico ou o dramático. Ela mantinha uma espécie de equilíbro com a ação, o que não significa que se limitasse a comentar as cenas. Ao contrário. Lembro-me de que a música variava bastante e que isso, por um lado, forçava a gente a "entrar no espírito" de cada cena, ao mesmo tempo que dificultava a realização dos nexos com as cenas anteriores.

Estando correta essa "escuta", há um problema estético da apropriação do procedimento de desautomatização do Brecht no Brasil que a música põe em evidência.

A necessidade de não cometer excessos expressivos com a música, faz com que se busque uma espécie de equilíbrio entre ela e o sentimento predominante nas cenas. O problema é que o material que elas elaboram e o sentimento suscitado pela cena são desencontrados. A música, portanto, ficaria compelida a fazer uma escolha de tudo ou nada entre a necessidade de sublinhar o que está lá e não se pode apontar cenicamente (e, com isso, perder um pouco de sua liberdade expressiva) ou ignorar esses subentendidos e descolar-se completamente da cena (ganhando em possibilidades sugestivas, mas perdendo em eficácia estética).

Um exemplo hipotético. Na peça há uma ex-cantora popular que, subentende-se, antes de sua morte tornou-se prostituta.

Os sofrimentos e as humilhações dessa personagem não poderiam receber tratamento jocoso (por uma melodia saltitante em modo maior, por exemplo) pois a intenção da peça é levá-los à sério. Por outro lado, comentá-los com seriedade (digamos, com uma melodia em modo menor, em tom obscuro) esbarraria no despeito de parte da plateia, na qual certamente há gente que se julga mais digno e mais injustiçado no salário. Ou suscitaria uma espécie de comiseração automática. Uma "melodia" pós-tonal parecida com as de Xenakis ou de Webern (extremamente dissonante, feita de intervalos entre notas distantes e ataques bruscos) seria uma opção, se não escapasse ao espectro dos procedimentos normatizados de escuta e não corresse o risco de fazer com que percebêssemos apenas a dissolução subjetiva da pessoa - para muitos, ainda uma excentricidade, de que não se deve falar e quem sabe nem aconteça de verdade - e não o processo pelo qual isso se dá.

Se não me engano, a escolha da peça era manter o espectro normatizado da escuta e o tratamento sério. Nesse caso, apenas o jocoso ficava preterido como grosseiro e desumano, mas ainda não se poderia decidir entre o cínico e o tolo. Essa indecisão se tornaria produtiva para a cena, ao menos compelindo o espectador à percepção e ao posicionamento diante dessas duas atitudes. O dia estaria ganho para a reflexão e a beleza da cena. Mas a liberdade da música em lidar com o material estaria comprometida (mais ainda, já que a própria música teatral tem um compromisso com a encenação que implica preleção dos significados a se construir através dela)

Como não tenho acesso às músicas da peça, tudo isso são especulações, só.

I "Necrofilia é amor ao futuro" ou o espetáculo dos mortos.

Neste ato (o primeiro, "necrofilia é amor ao futuro") a narrativa é uma espécie de "evocação profana" dos mortos. A dupla advogad /esposa e juiz/burguês capitaneiam um auto de julgamento de histórias de personagens típicos da sociedade brasileira (intelectual, cabrocha-prostituta, operário, estudante engajada e depois perdida). Depois perceberemos que são típicos de certo período histórico.

Mas não se trata de um julgamento de fato. Por detalhes de algumas cenas, aos poucos vamos nos dando conta de que o que o está mediando o todo é a forma do espetáculo. Ou melhor: a o espetáculo enquanto mecanismo de "formatação" do presente, algo que cria padrões de percepção, maneiras de falar e agir; que impregna as atitudes das pessoas e, principalmente (o mais importante para a peça), faz com que o passado se embeba numa aura de permanência espúria.

Lendo o texto da peça, nota-se pelas rubricas que as ações lembradas (as que se julgará) se estendem da década de 60 à de 80.

Na peça isso só se percebe justamemente pela mímica da fala midiática, as alusões às profissões das personagens, o carnaval típico do pós-70, a colagem do" Terra em transe" na cena do cinema e também pelas referências não explícitas à agitação política pré-golpe.

Não é fácil sacar isso. Em momento algum aparece uma plaquinha dizendo "estamos falando da herança do pré-golpe e do que a indústria cultural fez com isso". Não obstante, esses dois "fenômenos" estão inscritos em vários aspectos da peça. Na dicção das falas (o exagero do desabafo do intelectual), nas situações de interlocução (a fala do operário para as "câmeras"), nas metáforas (carnaval que acaba na quarta-feira de cinzas do golpe). Noutras palavras, a reflexão sobre esses aspectos da história é sempre pressuposto formal - princípio norteador das situações narrativas, dos diálogos (para além do que as falas dizem), do gestual, das referências cultas e incultas (essa tensão já pressupondo ambos) - da espectação. Com o perdão das redundâncias, o público assiste à crítica da história na forma da crítica do espectáculo e, com isso, precisa criticar seu próprio olhar espetacularizado.

É importante ressaltar esse detalhe. É importante porque, sem ele, o enquadramento do julgamento/espectáculo ficaria abstrato demais. Daria em alegoria boba. São esses traços que imprimem na materialidade da encenação o pulso histórico do que se diz, isto é, são o aspecto estético da peça no sentido forte da palavra.

E de repente o desabafo do intelectual ativa ao mesmo tempo o oportunismo disfarçado de participação (típico de hoje em dia) e o protesto de 60; o destino da cantora popular faz pensar na saturação do mercado musical e na situação das pessoas que estiveram iseridos nele, no passado, e estão hoje ao deus dará; a queixa do operário dirigida às câmeras aponta pra uma função nova da exposição da pobreza, da instrumentalização das demandas sociais e para um papel passivo - de "representado" - dos pobres na época do pré-golpe.

Bom, a plateia é o lugar dos mortos, em coerência aliás com o arranjo midiático do espaço cênico. É de lá que as personagens saem, uma a uma, para contar suas histórias. Apesar disso, elas ficam alojadas debaixo do piano. É a musa que move a lembrança, ou será que os mortos se abrigam de alguma coisa? Levantarão num rompante... para carregá-lo?

O que contam os mortos?

Todas as histórias contadas têm um sentido de euforia e bom auspício no começo e terminam mal. Todas, menos a do operário, que parece começar e terminar mal (como no "Terra em transe"). As atitudes também variam.

O intelectual, ao final cineasta, parece se debater de culpa por ter querido uma outra sociedade e ter acabado como publicitário. Ou melhor, pelo contraste gritante entre as duas aspirações. A prostituta parece saudosa da fama do passado e tem uma reação violenta (não-resignada) à situação pré-morte. Tenta se assimilar ao povo, pela cultura popular, no começo, e pela miséria desesperada sambando pesado no carnaval televisionado, depois. Para o proletário, o começo é de miséria e resignação, o final, paradoxalmente, de miséria e euforia diante da imagem de sua própria miséria explorada pela TV. Já a estudante se aferra à atitude de protesto, não obstante a desilusão com os anos 80, dobrando-se apenas na hora do cortejo.

Não sei se é identificação da minha parte, mas, tirando o operário, ela é a personagem que mais causa empatia, por se aferrar aos princípios e não resvalar para o cinismo. Também pode ser a mais alienada, alguém cujo ímpeto saciou-se na intenção beligerante de antigamente e degradou-se, irrefletido, na degradação consumista do presente.

II "Ovos Quebrados"

Não me lembro

III "Hollywood para sempre"

Depois de se terem apresentado, a estudante, a cantora e o intelectual vão para a plateia. Eles assistem a um filme. Nessa hora ouve-se a cena do "Terra em transe" em que Paulo fala do povo com virulência, sendo que o acordo com a multinacional Sprinter já foi feito pelo Porfiro Dias, e ele (Paulo), bem como o Vieira, foram neutralizados.

Aparentemente é este o momento histórico (jogo de forças) a que se faz referência com tal "colagem": intelectual e artista participante descobre, diante do acordo recém-selado, que seu bailado com os diferentes setores da elite e subsequente adesão ao populismo de esquerda só ajudou na integração entre burguesia urbana e capital estrangeiro. (Como exatamente, aliás?)

Nesse momento acontece uma traiçãozinha entre as personagens da peça (a esta altura, outras personas, que "jogam" com as que os atores representam no restante da encenação). A mulher chifra o cara, que a assassina. Trata-se de uma ação estilizada. Todos usam máscaras. Seus gestos são estranhamente cômicos, tal como parecem ser os dos filmes mudos (que têm, tanto quanto essa cena, vistos hoje em dia, algo de opereta).

A traiçãozinha põe em chave paródica a traição histórica do golpe.

Tentando decifrar a tal da "morte por traição" como leitura do golpe militar. Esse negócio ainda me parece meio enroscado. As negociatas entre Porfiro Dias e o capital estrangeiro não traíram ninguém, a rigor. Direita nacional e direita internacional aliam-se, ponto. Vieira era reformista, mas o reformismo era chamado de esquerda e foi responsável por todas as grandes ações políticas institucionais em nome dos pobres desde Getúlio. Tinha o pathos de representar o povo. Em verdade não representava o povo. A esquerda cria que sim, o povo também.

Tenho a tentação de abreviar desse jeito a discussão desse momento histórico. E de fazer a seguinte ressalva. Tudo isso é verdade, sim. Mas pelo fato de esse melê ter dado em reformas e ânimo político reais - e também porque a burguesia urbana acenou uma aliança com essas iniciativas (para depois fazer a curva) -, essa "representação do povo" era uma "ilusão real", que se desfez quando essa mesma burguesia, ao invés de se alinhar com esses setores reformistas, aliou-se ao capital estrangeiro e viabilizou o golpe (entre outros motivos, para esfriar o caldo perigoso da aliança reformismo-classe-média-povo).

Será que é isso mesmo? Não sei.

Em todo caso, a cena que se ouve é justamente aquela em que ele percebe o engano e, ao invés de se dirigir ao povo, escracha-o. O teor da fala é muito forte e semelhante ao da ideia da peça: se tudo o que temos a fazer é ser espectadores da história e esperar o povo se organizar, com esse povo débil e essas forças monstruosas do capital agindo em sentido contrário, estamos mal - só a morte pode libertar, nesse caso.

Essa é a fala de Paulo. A gente a ouve com espanto, espera uma atitude diferente, de comprimisso mais substancial com os pobres. A gente coça a cabeça, com a impressão de que, consciente do engano, Paulo quer é "que tudo mais vá pro inferno". Não parece que havia um golpe e um governo militar impedindo a autoorganização dos trabalhadores ou mesmo a aliança definitiva dos setores avançados com o povo. Parece que o país em massa abraçou a morte, Paulo sendo o primeiro, depois de perceber o que aconteceu.

Não tem como simpatizar com essa atitude. Além de ela não parecer ser verdadeira historicamente (mas como eu disse a questão ainda está enrolada pra mim).

Onde fica a peça nesse sentido?

Ela comenta com o melodrama esquemático as traições.

É a estudante, com máscara de burguesa, quem trai primeiro, depois que o intelectual com máscara de burguês a abandonou. O operário, com máscara de pequeno-burguês toma o posto, os dois outros conjuges voltam. Todos morrem, matam-se. No âmbito das máscaras todos são burgueses. É como se na releitura das posições de 64, o pequeno-burguês massificado já morasse dentro do intelectual, do estudante, do reformista etc. No operário, inclusive. E é como se a revisitação desse momento histórico só pudesse ser vivida, pós-globo, como "replay". Coisa que a peça tenta combater com esse recurso paródico. A dúvida é se não corre o risco de, ao reduzir todos à caricatura imbecil em que de fato se tornaram pós-64, não esteja também passando por cima de detalhes importantes desse momento decisivo da história para nós. Noutras palavras, sera mesmo esse é o sentido do "povo que precisa da morte mais do que imagina" da fala de Paulo? Será que a cena da peça não achata as posições que o "Terra em Transe" representa dinamicamente, buscando compreender como se construiu os cadáveres do povo, o pequeno-burguês no intelectual e o alijado histórico no reformista?

Talvez não... por que a perspectiva da peça (que é sempre reafirmada no bordão "quem é o cadáver da história") é a de que só se pode entender o que houve (e o que está havendo) assumindo o tempo presente morto e os germes de morte que estavam no passado que o construíu. Não é questão de fazer disputa entre Latão e Glauber. Mas que as duas obras têm em comum essa perspectiva do vencido histórico e uma é mais dinâmica que a outra, isso é uma impressão forte. Talvez seja essa a chave interpretativa pra se perceber a diferença entre a época do "TT" e a nossa. Talvez não e isso seja um problema da peça.


IV - Também não me lembro deste título.

No final todos participam de um cordão de carnaval muito espalhafatoso. Ele condensa o estado derradeiro de todas as personagens. O teor das falas: o intelectual é o avatar da dissuasão, conformista; a prostituta é a porta-estandarte e "dança pra câmera"; o operário vai arrastado.
O juiz-burguês faz piadas cínicas que apontam para a acomodação de todos eles à situação.

A peça encerra com a convocação literal ao julgamento. Chamam isso de "a hora do ser humano".

Para nós, fica a impressão de que é o discernimento entre as histórias contadas e o que os procedimentos dizem delas que permite perceber o sentido do que aconteceu. Isso é, a rigor, diferente de se tomar uma posição em relação às ações das personagens. É a reflexão sobre a peça (atitude de não-ser, pensar sobre como no que foi estavam o tempo todo se formulando as condições para que o esperado não acontecesse) não a apreciação das atitudes "daquelas pessoas" (ser, pensar sobre o que elas deveriam ter feito) que se propõe como atitude estética e pólítica.

Talvez seja esse o "truque" da peça.

Pras ações presentes (a serem jugadas post mortem) a gente continua cego, tanteante, ou moralista, ou cobrando posições políticas que não são possíveis de se realizar (ou que ainda não são história, não se transformaram em material que se possa elaborar e estão postas apenas como virtualidade no campo da luta social de verdade). O mecanismo do espetáculo, reelaborado pela peça, se constroi segundo esse tirocínio político, ou seja, propicia que se precisem, na espectação e no julgamento, as razões do panorama político fechado e da dificuldade de se compreender o que aconteceu de fato com a geração médio-secular no Brasil. Com as possibilidades do passado (pré-morte) ocorre coisa semelhante. A gente só as vê como "história" - como o intelectual, a prostituta, a estudante poderiam ter agido diferente? Só o proletário (princípio de - uma outra e mais justa - vida que existia antes de a morte ter se afirmado soberana inclusive sobre o passado) poderia ter agido diferente. Só´ele poderia ter feito a revolução, e mesmo ele é proposto ou como cadáver, ou como espectador da história.

História hoje em dia reconstruída pelas câmeras, pela ótica do burguês vencedor e também - é pra esse lado que a peça aponta - pela perspectiva negativa da arte que, se por um lado, está impossibilitada de se posicionar do lado certo da luta política real - pelo fato de ter lugar na "vida como está" -, busca a apreensão do sentido profundo da história e da vida presente, sendo essa, por outro lado, a tarefa política mais premente com que pode contribuir em horizonte revolucionário fechado.

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Para referências referências ao texto, consultar o livro "Companhia do Latão - 7 peças" de Sergio de Carvalho, Marco Marciano e colaboradores. Cosac e Naify. 2008.

Esta peça esteve em cartaz em períodos intermitentes, sofrendo também modificações conforme mudavam as circunstâncias de encenação. Houve, inclusive, variações no texto. Os títulos dos atos, por exemplo, não constam na versão do texto publicada no livro. As encenações que serviram de base para estas anotações são as de 2005 e de 2007. Não me lembro em qual teatro assiti à primeira. A segunda aconteceu no Sesc Anchieta, era parte de uma temporada de comemoração dos 10 anos da companhia e foi exibida em meio a uma retrospectiva de todo o trabalho do grupo.