terça-feira, 19 de maio de 2009

Sobre "Equívocos Colecionados"

Sobre "Equívocos Colecionados" - experimento cênico inspirado em entrevistas e textos teóricos de Heiner Müller. Companhia do Latão.

Personagens e espaço

O primeiro ato da peça se chama "Necrofilia é amor ao futuro". Num procedimento típico do teatro épico do Brecht, é a mulher do burguês quem o anuncia, à maneira de uma claquete, saindo da personagem, quase como um narrador, mas como coisa mesmo, não pessoa.

As personagens não têm nomes, não chamam umas às outras, nem se designam por qualquer referência inequívoca. Elas não dialogam. Elas monologam, expõem-se para um "terceiro ausente" e é da trama entre suas falas que a peça vai se desenvolvendo.

O lugar da plateia permanece, durante toda a encenação, ocupado pelos atores, mesmo quando eles não o ocupam. É espaço cênico. Os espectadores também são deslocados de seu lugar usual para dentro do "palco", de maneira que a visão que alguém pode ter da ação permance, sempre, necessariamente parcial (o espectador não pode se mover livremente e o espaço é pensado para que certas ações ocorram para além do seu campo de visão)

Os pescoços se esticando e o cara reclamando porque não consegue ver direito são gestos de espectação criados por esse espaço. Não são gratuitos. Ninguém sai com torcicolo de uma encenação naturalista em palco italiano. Nem reclama da injusta troca de ingresso pago por perda de visão do detalhe tal em tal momento. Desse ponto de vista, o descompasso entre o que se espera ver e o que se vê de fato lembra o crivo entre a totalidade social e a perspectiva individual. A integração do espaço social pela lógica da mercadoria tem como efeito dar ao sujeito a ilusão de que ele enxerga a totalidade do processo, porque tem acesso financeiro, reconhecimento social ou visibilidade midiatica em relação a ele (ou porque deveria ter). É justamente essa ilusão que esse espaço nega.


A peça nega também a possibilidade de que nos identifiquemos com as personagens. Elas são tipos. Elas espõem, no breve intervalo de tempo que lhes é permitido falar, trajetos estereotipados de vida que são, por sua vez, material a ser julgado. Não se julga as pessoas e sim os "gestos sociais"("Organon") que compõem suas trajetórias. Ou, sim, se julga as pessoas e se perde o panorama histórico que se quer criar.

Essa configuração do espaço, essa despersonalização das pessoas em trajetos parodicamente abreviados de vida (ops), mais a situação específica do julgamento presidido por um burguês desinteressado e uma defensora pública protocolar, distante, propiciam ao espectador a sensação estranha de um estado de prontidão irrequieta. Estado que se sustenta justamente pela necessidade de se julgar e não se poder fazê-lo.

Observação sobre os músicos e a música.

Os músicos têm nomes celebres e literários, Fausto e Hamlet. Representam a alta cultura letrada. É como se a cultura fosse chamada a fazer parte do espetáculo e tornar perceptível essa participação, ao mesmo tempo. Fausto e Hamlet são o sumo do teatro. Mas ali, não; estão deslocados, em meio a "intelectual", "estudante" etc. São funcionários do burguês, músicos que sonorizam filme mudo, de um lado; elemento cênico, neutro, integrado ao cenário, de outro e , finalmente, corpo estranho no palco, o vulto de seus nomes em contradição com a posição indigna, de empregado.

A música, complementarmente, se integra à ação e perturba-a ao mesmo tempo. Isso contraria um pouco as espectativas de quem vai munido de teoria assistir à peça e espera apenas confiltos do auditivo com o visual.

Aqui, cabe uma reflexão.

De onde pode provir a perturbação auditiva esperada quando se vai assistir a uma encenação de Brecht? Do conflito entre a encenação a música? Certo e errado.

Certo, porque a encenação faz escolhas e põe em destaque uma dominante afetiva latente no próprio material que elabora. Errado, porque a perturbação pode não advir só do choque entre a dominante afetiva e a música encolhidas, mas também de aspectos do material que estão em segundo plano.

Não consigo me lembrar de exemplos específicos. Só me lembro de ter procurado na música da peça os tais procedimentos de desautomatzação e nem sempre os ter encontrado.

Aí podem contar meus ouvidos um pouco desenformados; a intenção dos músicos de nem sempre negar o afeto da cena, para não desgastar o meio expressivo; ou então a prórpia expectativa do "espectador de brecht" de "ouvir conflitos", que é argutamente negada pelo Latão.

Essa mesma quebra de espectativa ensina algo sobre como a música pode funcionar como meio de desautomatização numa apropriação brasileira de Brecht.

Ela não buscava a paródia, o engraçado; nem o estranho, o grotesco. Tampouco volatilizava as cenas, sublimando o sentimento, empurrando para o lírico ou o dramático. Ela mantinha uma espécie de equilíbro com a ação, o que não significa que se limitasse a comentar as cenas. Ao contrário. Lembro-me de que a música variava bastante e que isso, por um lado, forçava a gente a "entrar no espírito" de cada cena, ao mesmo tempo que dificultava a realização dos nexos com as cenas anteriores.

Estando correta essa "escuta", há um problema estético da apropriação do procedimento de desautomatização do Brecht no Brasil que a música põe em evidência.

A necessidade de não cometer excessos expressivos com a música, faz com que se busque uma espécie de equilíbrio entre ela e o sentimento predominante nas cenas. O problema é que o material que elas elaboram e o sentimento suscitado pela cena são desencontrados. A música, portanto, ficaria compelida a fazer uma escolha de tudo ou nada entre a necessidade de sublinhar o que está lá e não se pode apontar cenicamente (e, com isso, perder um pouco de sua liberdade expressiva) ou ignorar esses subentendidos e descolar-se completamente da cena (ganhando em possibilidades sugestivas, mas perdendo em eficácia estética).

Um exemplo hipotético. Na peça há uma ex-cantora popular que, subentende-se, antes de sua morte tornou-se prostituta.

Os sofrimentos e as humilhações dessa personagem não poderiam receber tratamento jocoso (por uma melodia saltitante em modo maior, por exemplo) pois a intenção da peça é levá-los à sério. Por outro lado, comentá-los com seriedade (digamos, com uma melodia em modo menor, em tom obscuro) esbarraria no despeito de parte da plateia, na qual certamente há gente que se julga mais digno e mais injustiçado no salário. Ou suscitaria uma espécie de comiseração automática. Uma "melodia" pós-tonal parecida com as de Xenakis ou de Webern (extremamente dissonante, feita de intervalos entre notas distantes e ataques bruscos) seria uma opção, se não escapasse ao espectro dos procedimentos normatizados de escuta e não corresse o risco de fazer com que percebêssemos apenas a dissolução subjetiva da pessoa - para muitos, ainda uma excentricidade, de que não se deve falar e quem sabe nem aconteça de verdade - e não o processo pelo qual isso se dá.

Se não me engano, a escolha da peça era manter o espectro normatizado da escuta e o tratamento sério. Nesse caso, apenas o jocoso ficava preterido como grosseiro e desumano, mas ainda não se poderia decidir entre o cínico e o tolo. Essa indecisão se tornaria produtiva para a cena, ao menos compelindo o espectador à percepção e ao posicionamento diante dessas duas atitudes. O dia estaria ganho para a reflexão e a beleza da cena. Mas a liberdade da música em lidar com o material estaria comprometida (mais ainda, já que a própria música teatral tem um compromisso com a encenação que implica preleção dos significados a se construir através dela)

Como não tenho acesso às músicas da peça, tudo isso são especulações, só.

I "Necrofilia é amor ao futuro" ou o espetáculo dos mortos.

Neste ato (o primeiro, "necrofilia é amor ao futuro") a narrativa é uma espécie de "evocação profana" dos mortos. A dupla advogad /esposa e juiz/burguês capitaneiam um auto de julgamento de histórias de personagens típicos da sociedade brasileira (intelectual, cabrocha-prostituta, operário, estudante engajada e depois perdida). Depois perceberemos que são típicos de certo período histórico.

Mas não se trata de um julgamento de fato. Por detalhes de algumas cenas, aos poucos vamos nos dando conta de que o que o está mediando o todo é a forma do espetáculo. Ou melhor: a o espetáculo enquanto mecanismo de "formatação" do presente, algo que cria padrões de percepção, maneiras de falar e agir; que impregna as atitudes das pessoas e, principalmente (o mais importante para a peça), faz com que o passado se embeba numa aura de permanência espúria.

Lendo o texto da peça, nota-se pelas rubricas que as ações lembradas (as que se julgará) se estendem da década de 60 à de 80.

Na peça isso só se percebe justamemente pela mímica da fala midiática, as alusões às profissões das personagens, o carnaval típico do pós-70, a colagem do" Terra em transe" na cena do cinema e também pelas referências não explícitas à agitação política pré-golpe.

Não é fácil sacar isso. Em momento algum aparece uma plaquinha dizendo "estamos falando da herança do pré-golpe e do que a indústria cultural fez com isso". Não obstante, esses dois "fenômenos" estão inscritos em vários aspectos da peça. Na dicção das falas (o exagero do desabafo do intelectual), nas situações de interlocução (a fala do operário para as "câmeras"), nas metáforas (carnaval que acaba na quarta-feira de cinzas do golpe). Noutras palavras, a reflexão sobre esses aspectos da história é sempre pressuposto formal - princípio norteador das situações narrativas, dos diálogos (para além do que as falas dizem), do gestual, das referências cultas e incultas (essa tensão já pressupondo ambos) - da espectação. Com o perdão das redundâncias, o público assiste à crítica da história na forma da crítica do espectáculo e, com isso, precisa criticar seu próprio olhar espetacularizado.

É importante ressaltar esse detalhe. É importante porque, sem ele, o enquadramento do julgamento/espectáculo ficaria abstrato demais. Daria em alegoria boba. São esses traços que imprimem na materialidade da encenação o pulso histórico do que se diz, isto é, são o aspecto estético da peça no sentido forte da palavra.

E de repente o desabafo do intelectual ativa ao mesmo tempo o oportunismo disfarçado de participação (típico de hoje em dia) e o protesto de 60; o destino da cantora popular faz pensar na saturação do mercado musical e na situação das pessoas que estiveram iseridos nele, no passado, e estão hoje ao deus dará; a queixa do operário dirigida às câmeras aponta pra uma função nova da exposição da pobreza, da instrumentalização das demandas sociais e para um papel passivo - de "representado" - dos pobres na época do pré-golpe.

Bom, a plateia é o lugar dos mortos, em coerência aliás com o arranjo midiático do espaço cênico. É de lá que as personagens saem, uma a uma, para contar suas histórias. Apesar disso, elas ficam alojadas debaixo do piano. É a musa que move a lembrança, ou será que os mortos se abrigam de alguma coisa? Levantarão num rompante... para carregá-lo?

O que contam os mortos?

Todas as histórias contadas têm um sentido de euforia e bom auspício no começo e terminam mal. Todas, menos a do operário, que parece começar e terminar mal (como no "Terra em transe"). As atitudes também variam.

O intelectual, ao final cineasta, parece se debater de culpa por ter querido uma outra sociedade e ter acabado como publicitário. Ou melhor, pelo contraste gritante entre as duas aspirações. A prostituta parece saudosa da fama do passado e tem uma reação violenta (não-resignada) à situação pré-morte. Tenta se assimilar ao povo, pela cultura popular, no começo, e pela miséria desesperada sambando pesado no carnaval televisionado, depois. Para o proletário, o começo é de miséria e resignação, o final, paradoxalmente, de miséria e euforia diante da imagem de sua própria miséria explorada pela TV. Já a estudante se aferra à atitude de protesto, não obstante a desilusão com os anos 80, dobrando-se apenas na hora do cortejo.

Não sei se é identificação da minha parte, mas, tirando o operário, ela é a personagem que mais causa empatia, por se aferrar aos princípios e não resvalar para o cinismo. Também pode ser a mais alienada, alguém cujo ímpeto saciou-se na intenção beligerante de antigamente e degradou-se, irrefletido, na degradação consumista do presente.

II "Ovos Quebrados"

Não me lembro

III "Hollywood para sempre"

Depois de se terem apresentado, a estudante, a cantora e o intelectual vão para a plateia. Eles assistem a um filme. Nessa hora ouve-se a cena do "Terra em transe" em que Paulo fala do povo com virulência, sendo que o acordo com a multinacional Sprinter já foi feito pelo Porfiro Dias, e ele (Paulo), bem como o Vieira, foram neutralizados.

Aparentemente é este o momento histórico (jogo de forças) a que se faz referência com tal "colagem": intelectual e artista participante descobre, diante do acordo recém-selado, que seu bailado com os diferentes setores da elite e subsequente adesão ao populismo de esquerda só ajudou na integração entre burguesia urbana e capital estrangeiro. (Como exatamente, aliás?)

Nesse momento acontece uma traiçãozinha entre as personagens da peça (a esta altura, outras personas, que "jogam" com as que os atores representam no restante da encenação). A mulher chifra o cara, que a assassina. Trata-se de uma ação estilizada. Todos usam máscaras. Seus gestos são estranhamente cômicos, tal como parecem ser os dos filmes mudos (que têm, tanto quanto essa cena, vistos hoje em dia, algo de opereta).

A traiçãozinha põe em chave paródica a traição histórica do golpe.

Tentando decifrar a tal da "morte por traição" como leitura do golpe militar. Esse negócio ainda me parece meio enroscado. As negociatas entre Porfiro Dias e o capital estrangeiro não traíram ninguém, a rigor. Direita nacional e direita internacional aliam-se, ponto. Vieira era reformista, mas o reformismo era chamado de esquerda e foi responsável por todas as grandes ações políticas institucionais em nome dos pobres desde Getúlio. Tinha o pathos de representar o povo. Em verdade não representava o povo. A esquerda cria que sim, o povo também.

Tenho a tentação de abreviar desse jeito a discussão desse momento histórico. E de fazer a seguinte ressalva. Tudo isso é verdade, sim. Mas pelo fato de esse melê ter dado em reformas e ânimo político reais - e também porque a burguesia urbana acenou uma aliança com essas iniciativas (para depois fazer a curva) -, essa "representação do povo" era uma "ilusão real", que se desfez quando essa mesma burguesia, ao invés de se alinhar com esses setores reformistas, aliou-se ao capital estrangeiro e viabilizou o golpe (entre outros motivos, para esfriar o caldo perigoso da aliança reformismo-classe-média-povo).

Será que é isso mesmo? Não sei.

Em todo caso, a cena que se ouve é justamente aquela em que ele percebe o engano e, ao invés de se dirigir ao povo, escracha-o. O teor da fala é muito forte e semelhante ao da ideia da peça: se tudo o que temos a fazer é ser espectadores da história e esperar o povo se organizar, com esse povo débil e essas forças monstruosas do capital agindo em sentido contrário, estamos mal - só a morte pode libertar, nesse caso.

Essa é a fala de Paulo. A gente a ouve com espanto, espera uma atitude diferente, de comprimisso mais substancial com os pobres. A gente coça a cabeça, com a impressão de que, consciente do engano, Paulo quer é "que tudo mais vá pro inferno". Não parece que havia um golpe e um governo militar impedindo a autoorganização dos trabalhadores ou mesmo a aliança definitiva dos setores avançados com o povo. Parece que o país em massa abraçou a morte, Paulo sendo o primeiro, depois de perceber o que aconteceu.

Não tem como simpatizar com essa atitude. Além de ela não parecer ser verdadeira historicamente (mas como eu disse a questão ainda está enrolada pra mim).

Onde fica a peça nesse sentido?

Ela comenta com o melodrama esquemático as traições.

É a estudante, com máscara de burguesa, quem trai primeiro, depois que o intelectual com máscara de burguês a abandonou. O operário, com máscara de pequeno-burguês toma o posto, os dois outros conjuges voltam. Todos morrem, matam-se. No âmbito das máscaras todos são burgueses. É como se na releitura das posições de 64, o pequeno-burguês massificado já morasse dentro do intelectual, do estudante, do reformista etc. No operário, inclusive. E é como se a revisitação desse momento histórico só pudesse ser vivida, pós-globo, como "replay". Coisa que a peça tenta combater com esse recurso paródico. A dúvida é se não corre o risco de, ao reduzir todos à caricatura imbecil em que de fato se tornaram pós-64, não esteja também passando por cima de detalhes importantes desse momento decisivo da história para nós. Noutras palavras, sera mesmo esse é o sentido do "povo que precisa da morte mais do que imagina" da fala de Paulo? Será que a cena da peça não achata as posições que o "Terra em Transe" representa dinamicamente, buscando compreender como se construiu os cadáveres do povo, o pequeno-burguês no intelectual e o alijado histórico no reformista?

Talvez não... por que a perspectiva da peça (que é sempre reafirmada no bordão "quem é o cadáver da história") é a de que só se pode entender o que houve (e o que está havendo) assumindo o tempo presente morto e os germes de morte que estavam no passado que o construíu. Não é questão de fazer disputa entre Latão e Glauber. Mas que as duas obras têm em comum essa perspectiva do vencido histórico e uma é mais dinâmica que a outra, isso é uma impressão forte. Talvez seja essa a chave interpretativa pra se perceber a diferença entre a época do "TT" e a nossa. Talvez não e isso seja um problema da peça.


IV - Também não me lembro deste título.

No final todos participam de um cordão de carnaval muito espalhafatoso. Ele condensa o estado derradeiro de todas as personagens. O teor das falas: o intelectual é o avatar da dissuasão, conformista; a prostituta é a porta-estandarte e "dança pra câmera"; o operário vai arrastado.
O juiz-burguês faz piadas cínicas que apontam para a acomodação de todos eles à situação.

A peça encerra com a convocação literal ao julgamento. Chamam isso de "a hora do ser humano".

Para nós, fica a impressão de que é o discernimento entre as histórias contadas e o que os procedimentos dizem delas que permite perceber o sentido do que aconteceu. Isso é, a rigor, diferente de se tomar uma posição em relação às ações das personagens. É a reflexão sobre a peça (atitude de não-ser, pensar sobre como no que foi estavam o tempo todo se formulando as condições para que o esperado não acontecesse) não a apreciação das atitudes "daquelas pessoas" (ser, pensar sobre o que elas deveriam ter feito) que se propõe como atitude estética e pólítica.

Talvez seja esse o "truque" da peça.

Pras ações presentes (a serem jugadas post mortem) a gente continua cego, tanteante, ou moralista, ou cobrando posições políticas que não são possíveis de se realizar (ou que ainda não são história, não se transformaram em material que se possa elaborar e estão postas apenas como virtualidade no campo da luta social de verdade). O mecanismo do espetáculo, reelaborado pela peça, se constroi segundo esse tirocínio político, ou seja, propicia que se precisem, na espectação e no julgamento, as razões do panorama político fechado e da dificuldade de se compreender o que aconteceu de fato com a geração médio-secular no Brasil. Com as possibilidades do passado (pré-morte) ocorre coisa semelhante. A gente só as vê como "história" - como o intelectual, a prostituta, a estudante poderiam ter agido diferente? Só o proletário (princípio de - uma outra e mais justa - vida que existia antes de a morte ter se afirmado soberana inclusive sobre o passado) poderia ter agido diferente. Só´ele poderia ter feito a revolução, e mesmo ele é proposto ou como cadáver, ou como espectador da história.

História hoje em dia reconstruída pelas câmeras, pela ótica do burguês vencedor e também - é pra esse lado que a peça aponta - pela perspectiva negativa da arte que, se por um lado, está impossibilitada de se posicionar do lado certo da luta política real - pelo fato de ter lugar na "vida como está" -, busca a apreensão do sentido profundo da história e da vida presente, sendo essa, por outro lado, a tarefa política mais premente com que pode contribuir em horizonte revolucionário fechado.

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Para referências referências ao texto, consultar o livro "Companhia do Latão - 7 peças" de Sergio de Carvalho, Marco Marciano e colaboradores. Cosac e Naify. 2008.

Esta peça esteve em cartaz em períodos intermitentes, sofrendo também modificações conforme mudavam as circunstâncias de encenação. Houve, inclusive, variações no texto. Os títulos dos atos, por exemplo, não constam na versão do texto publicada no livro. As encenações que serviram de base para estas anotações são as de 2005 e de 2007. Não me lembro em qual teatro assiti à primeira. A segunda aconteceu no Sesc Anchieta, era parte de uma temporada de comemoração dos 10 anos da companhia e foi exibida em meio a uma retrospectiva de todo o trabalho do grupo.

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