Texto publicado originalmente em www.escaparfedendo.blogspot.com
Nunca escondi de ninguém que sou um caetanete. E como bom tiete de Caetano, adoro tomar seu partido em suas polêmicas, encontrar alguma razão mais profunda, mesmo que absurda, para seus gestos. E não é muito difícil, porque o cara é o maior intelectual vivo do país, e mesmo que você não concorde com aquilo que ele diz, quase sempre há uma razão mais profunda pra ele ter dito isso ou aquilo. O que se nem sempre torna as coisas melhores, ao menos revelam alguma coerência.
O babado mais quente no quesito Caetano é sem dúvida a eterna polêmica com Chico. Na verdade, não entre os dois, que estão cagando pra essas brigas, mas entre os adoradores de um e de outro. Mas mesmo os chicólatras tem de admitir que é muito mais complexo você ser um caetanete, seja por ser ele muito menos unânime, mais arrogante, ou mais polêmico. Posso dizer inclusive que começa daí minha admiração: o esforço mental exigido para se posicionar pró Caetano é, pela própria natureza do objeto, muito maior. Enquanto o Chico veio pra estabelecer, pra ser a própria definição do que é bom, Caetano veio pra incomodar, pra questionar o que é belo. Na verdade, a razão mais profunda para esse debate ser tão animado é que no fundo ele é bem menos radical do que parece a princípio. De fato, a questão realmente radical nem se coloca (a não ser por loucos meio idiotas ou excêntricos, como Caetano), pois o conflito verdadeiro está na oposição Chico Buarque x Roberto Carlos, ambos compositores de primeira linha, mas aquele que chega a sugerir uma aproximação do gênero é imediatamente desqualificado como mentalmente desequilibrado. O que não quer dizer que Chico x Caetano não seja uma polêmica reveladora, pelo contrário. Apenas oculta uma questão muito mais complexa e perigosa, que implica em colocar Robertão e Chico num mesmo patamar.
Primeiro algumas questões de ordem mais formal, que são as que contam de fato no momento da audição. Comecemos com aquele que é tido como o ponto mais forte do carioca, suas letras. Nesse quesito o cara de fato é bom, mas temos de lembrar que quem realmente inovou foi Cae, ao ser o primeiro cara a abolir das letras seu cunho narrativo. Ele elimina das letras o tom narrativo que sempre caracterizou a canção nacional, primeiro com a concepção tropicalista de construção via fragmento, e depois ao construir letras que são explanações teóricas, muito mais do que as desventuras de um sujeito lírico ou a exposição de dada situação. A voz narrativa da canção se moderniza com Caetano, apesar de que Chico sem duvida a eleva a um patamar de excelência grandioso.
Quanto a forma propriamente dita, uma anedota de Tom Zé é reveladora. Quando perguntado sobre o que pensava de Chico Buarque, lá pelos anos 70, o baiano de Irará respondeu: “a gente tem que respeitar muito o Chico Buarque, afinal, ele é o nosso avô”. Para além do chiste e da ironia, a afirmação carrega também um caráter de revelação. Desde o início o projeto de Chico se apoiava, ainda que o transformando, no projeto estético da Bossa Nova, de re-apropriação do passado. Com a diferença de que a Bossa se propunha a reler sobre nova chave os autores que ela própria elegia como os representantes da genuína música nacional, enquanto que Chico – na onda da música de protesto – procurava resgatar as formas antigas, só que lidas agora na chave do bom gosto – seja em termos das letras, do estilo de interpretação e dos arranjos. No início, alguns tipos de samba (canção, exaltação, chorinho, gafieira) e depois ampliando o escopo – modinha, frevo, valsa, fado. É certo que por influência da Tropicália Chico passou também a enveredar por outros gêneros e estilos – principalmente após seu 5° disco, Construção - mas até os dias atuais cria canções basicamente em formas pré Bossa Nova. O próprio compositor admitiu em uma de suas raras entrevistas que é um compositor à moda antiga, que se dedica a um tipo de canção em vias de desaparecimento. Na verdade, é todo um modo de compor – do qual Chico é o maior representante – que se acostumou a identificar com a MPB, que está em vias de desaparecimento.
Já o projeto de Caetano sempre foi o de fazer música de hoje. Em comum entre ambos a busca por se criar música de qualidade – critério que é preciso definir, pois se trata menos de juízo de valor estético do que certo procedimento formal. Porém o lugar onde os dois procuram estabelecer esse critério de gosto marca uma ruptura radical de postura. Cae já compôs metal, musica indie, blues, reggae, axé (dizem as más línguas inclusive que foi ele quem o inventou), música concreta, samba de roda, hip hop, música brega, e já se apropriou de outros tantos gêneros, como o funk carioca. Isso sem falar de sua especialidade, que é o de misturar os registros. Sua postura estética é muito mais ousada, o que o torna a meu ver um compositor bem mais interessante, mesmo quando Chico – cultor do belo - consegue criar canções de acabamento formal perfeito. Do ruído também se faz arte.
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